Mercado gamer em expansão impulsiona negócios de estúdios de Pernambuco

Foto: Flickr

O mercado gamer pode ter diminuído o ritmo de expansão com a volta das atividades presenciais no pós-pandemia, porém nunca mais foi o mesmo depois da pandemia e continua em crescimento. Um cenário que anima as indústrias de Pernambuco que atuam no setor, como a Manifesto Games. Embarcado no Porto Digital ecossistema de inovação e tecnologia localizado no Recife o estúdio vem incrementando o faturamento entre 30% e 50% ao ano desde 2021, com previsão de repetir a performance em 2023.

Esse salto acontece num panorama extremamente promissor desse mercado, que movimentou R$ 175 bilhões em 2022 em todo o mundo e tem expectativa de atingir R$ 200 bilhões em 2023.

O setor segue como um dos que têm melhor desempenho na economia criativa, apesar da retração, registrada em 2022, de 4% no número de jogadores e de 20% no tempo que as pessoas jogam. Essa acomodação é global, também acontece no Brasil e reflete, entre outros fatores, o fim das restrições da Covid-19, mas está longe de representar um game over para essa indústria.

Mercado gamer cresceu 152% no Brasil em 2022

Dados da Yandex Games apontam o Brasil como o maior mercado do setor na América Latina, tanto em número de jogadores quanto em receita, com 88,4 milhões de jogadores, gerando mais de US$ 1 bilhão em 2021. A tendência, segundo o estudo, é de seguir crescendo para mais de 116 milhões de pessoas até 2026.

No país, mesmo com uma queda discreta no número de jogadores em 2022 com relação ao período mais restritivo da pandemia, as vendas cresceram 152% em 2022, o que demonstra que os clientes estão comprando muito mais jogos.

Mercado gamer: jogos infantis é o nicho da pernambucana Manifesto

Criada em 2005 e focada no nicho de jogos casuais para o público infantil, a Manifesto Games lançou, ao longo desses 18 anos, 100 jogos para diferentes plataformas como Disney, Sea World, Ubisoft e Bandai Namco. Esses games, em 15 idiomas, atingiram recentemente a marca de 50 milhões de usuários em todo o mundo.

O CEO Vicente Vieira avalia que o salto da empresa reflete a aceleração por que o setor passou, num momento de mudanças comportamentais e de hábitos de consumo, que vieram para ficar.

“A indústria de games cresceu a uma taxa próxima de 11% ao ano entre 2012 e 2021 saltando de US$ 70,6 bilhões para US$ 180 bilhões de dólares em faturamento total. É uma indústria gigante que já avançava a passos largos antes da Covid-19, mas cuja velocidade de expansão aumentou na pandemia. O avanço no consumo de jogos digitais chegou a impactar o faturamento do segmento em 23%, em 2020”, analisa.

Mercado gamer: Apple ameaça crescimento da indústria

Vicente Vieira avalia que a acomodação registrada nos últimos dois anos, após o fim das restrições de interações presenciais, já era esperada e que esse fator específico não compromete o ciclo virtuoso do setor. “O que nos preocupa de fato é a mudança na política de privacidade da Apple, que vem afetando o volume e a qualidade de downloads de jogos para celular”, critica.

“Nesse panorama, os jogos para console e PC devem crescer esse ano 7,4% e 1,6% respectivamente, e são os responsáveis por puxar o desempenho do setor. Isso evidencia que a indústria precisa encontrar formas de incrementar o segmento de jogos móveis se quiser retomar o patamar de crescimento de 2 dígitos ao ano”, ressalta.

Mercado gamer oferece oportunidades para diversos nichos

Outro estúdio embarcado no Porto Digital e que vem se beneficiando da boa fase do mercado gamer é a Mental Lab. Fundada em 2014, a empresa atua num nicho bem específico: o de criação de jogos autorais para mobile, console e PC, voltados para o aperfeiçoamento da inteligência natural.

“Classificamos nossos jogos com base nas habilidades trabalhadas e nível de dificuldade. Isso permite expandir a capacidade de memorização e o raciocínio lógico de maneira simples, divertindo e educando ao mesmo tempo, por meio de exercícios envolventes e aventuras com mistérios a serem desvendados”, explica o CEO Hugo Pereira.

Ele acrescenta que os todos os produtos do portfólio “podem ser utilizados como ferramentas educacionais com excelentes resultados e também como uma ferramenta terapêutica nos casos de transtorno do déficit de atenção e hiperatividade”. Os jogos de maior sucesso do estúdio são o Quaddro 2 e Dots Sync.

Mercado gamer em expansão impacta marketing de influência em Pernambuco

O pernambucano Renan Silva, 30, é um dos principais influencers do nicho de games no estado. Dono do canal Criação de Jogos, com 15 mil seguidores no YouTube, o influenciador aborda o passo a passo de como produzir um game, de forma simples e acessível para iniciantes na área. A conta, que tinha apenas 1,8 mil inscritos há três anos, cresceu 88% de 2020 a 2023, refletindo o bom momento do mercado gamer.

Pernambuco é destaque no mercado gamer com produção de assets

Para Renan Silva, as empresas da indústria gamer em Pernambuco se destacam principalmente na produção de assets – artes ou códigos que grandes estúdios compram de outras empresas para usar em seus jogos.

“O estado tem histórico neste seguimento. Diorama, Kokku e PUGA são exemplos de empresas de Pernambuco que trabalham na área de asset e estão consolidadas. A Kokku tem participação até em títulos grandes, como os jogos da série Horizon, Call of Duty e Sniper”, destaca.

“Outra marca dos estúdios locais é a excelência em jogos de estilos diferentes. A Mental Lab faz jogos para estimular o raciocínio, como Dots Sync e Castle of Awa. Já a Manifesto produz de jogos de corridas a gerenciamento de fazendinhas”, ressalta.

Sobre a receita de sucesso para esse mercado altamente concorrido, Renan ressalta que as oportunidades de negócios estão ligadas diretamente à atenção dos estúdios. “Sua marca precisa estar nos eventos do setor para mostrar o portfólio. Também é importante estar atendo aos editais das organizações que incentivam o desenvolvimento da indústria gamer por meio de palestras, cursos ou investimento. Tudo isso é vitrine”, detalha.

Em relação ao marketing de vendas, o influenciador ressalta que divulgar um game não é fácil, muito menos barato. Em alguns produtos, o budget do lançamento tem um valor que pode chegar ao dobro de toda a verba investida no desenvolvimento do jogo. “Esse investimento é alto, porém vital para o negócio”, frisa.

“Alguns pontos são estratégicos para que uma campanha dê certo. A empresa tem de estar muito atenta ao seu público, à comunidade gamer, conhecer muito o comportamento dos seus usuários. Utilizar da forma correta as ferramentas de impulsionamento nas mídias digitais também conta pontos. Outro item fundamental desse combo é usar o marketing de influência para divulgar o seu produto, por meio de influenciadores que são relevantes para o seu cliente e geram resultado”, aponta.

Folha de Pernambuco

Uma semana sóbrio vale R$ 100: Califórnia vai pagar usuários que deixarem drogas

Foto: PIXNIO

Nas manchetes sobre a epidemia de overdoses que devasta os Estados Unidos e deixa mais de 100 mil mortos por ano, o maior destaque costuma ser dado ao opioide sintético fentanil. Mas as mortes provocadas por drogas estimulantes, principalmente metanfetamina e cocaína, também vêm crescendo vertiginosamente no país.

Diferentemente do fentanil e outros opioides, para os quais existe a possibilidade de tratamento com metadona, buprenorfina ou naltrexona, não há nenhum medicamento aprovado pela FDA (Food and Drug Administration, agência do governo responsável pelo controle de medicamentos) para tratar da dependência de estimulantes.

Diante dessa crise de saúde pública, o Estado da Califórnia iniciou recentemente um projeto-piloto que tenta combater o problema de uma maneira inovadora: pagando usuários para que deixem de usar drogas.

Essa abordagem, conhecida como manejo de contingência, é considerada por muitos especialistas e agências de saúde a mais eficaz entre os tratamentos atualmente disponíveis para a dependência de estimulantes.

A estratégia já é usada há anos em alguns estudos, em projetos com financiamento privado e também pelo Departamento de Assuntos de Veteranos dos EUA, responsável por serviços de saúde para os veteranos de guerra americanos.

No entanto, até recentemente, não havia a possibilidade de o Medicaid, o programa de saúde social para pessoas de baixa renda nos Estados Unidos, financiar esse tipo de projeto, o que limitava o seu alcance.

Agora, as regras foram modificadas para permitir que o Medicaid cubra iniciativas de manejo de contingência no combate ao abuso de drogas, e a Califórnia é o primeiro Estado onde a estratégia está sendo implementada.

O projeto, chamado de Recovery Incentives Program (Programa de Incentivos à Recuperação, em tradução livre), está sendo adotado inicialmente em clínicas de 24 dos 58 condados da Califórnia.

Durante 24 semanas, os participantes são submetidos regularmente a testes de urina. Cada vez que o teste vem negativo para a presença de estimulantes, recebem como recompensa um incentivo financeiro, na forma de um vale-presente para ser usado em supermercados ou lojas.

O primeiro vale-presente é de 10 dólares (cerca de R$ 50), e o valor vai aumentando à medida que o paciente progride. Como nos primeiros três meses o paciente precisa ir ao menos duas vezes na semana para fazer o teste, na primeira semana, cumprido todos os requisitos, ele ganhará pelo menos 20 dólares (cerca de R$ 100).

Um participante que consiga chegar ao fim das 24 semanas sem nenhum teste positivo poderá receber um valor total máximo de 599 dólares (cerca de R$ 2.480), que é o limite para que o prêmio não seja considerado renda pela receita americana.

Ao fim desse período, os pacientes não receberão mais vales-presente, mas continuarão a ser acompanhados e ter acesso a terapia, aconselhamento, serviços comunitários e de prevenção de recaídas por pelo menos mais seis meses.

Enquanto nos três meses iniciais do tratamento, os participantes devem comparecer no mínimo duas vezes por semana à clínica para serem testados, após esse período a exigência é de uma vez por semana. Os que testarem positivo para a presença de drogas, não receberão vale-presente naquela ocasião, mas poderão continuar no programa e tentar novamente no teste seguinte.

“O projeto está aberto para outros Estados, mas a Califórnia foi o primeiro a participar, então há muito interesse em sobre como será a implementação aqui”, diz à BBC News Brasil o médico Brad Shapiro, diretor do Programa Ambulatorial de Tratamento de Opiáceos do Hospital Geral de São Francisco, uma das instituições participantes do projeto-piloto.

O médico ressalta que o projeto na Califórnia, além de ser o primeiro financiado pelo Medicaid, segue um formato rigoroso, “que se aproxima dos formatos de pesquisa que têm demonstrado muito sucesso”.

“Isso tudo é bastante novo e empolgante”, afirma Shapiro, que também é professor da Universidade da Califórnia em San Francisco (UCSF).

Impacto devastador

Das mais de 110 mil mortes por overdose registradas nos Estados Unidos no ano passado, o CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças, agência de pesquisa em saúde pública ligada ao Departamento de Saúde) estima que cerca 75 mil envolveram o opioide sintético fentanil.

Mas, em muitos desses óbitos, o fentanil não era a única droga presente, e estava misturado a estimulantes. Outras mortes são provocadas exclusivamente por estimulantes, especialmente metanfetamina e cocaína.

Dados do Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas (NIDA, na sigla em inglês), parte dos Institutos Nacionais de Saúde, a principal agência do governo americano dedicada à pesquisa médica, mostram que, desde 2015, houve um crescimento acelerado nas mortes por overdose de estimulantes.

O número de óbitos envolvendo estimulantes, tanto em combinação com opioides quanto usados isoladamente, passou de 12.122 em 2015 para 53.495 em 2021. Mortes envolvendo especificamente metanfetamina, que somavam 547 em 1999, chegaram a 32.537 em 2021.

O problema afeta todo o país, tanto grandes cidades quanto zonas rurais. Na Califórnia, a situação é agravada pela crise da falta de moradia, com mais de 170 mil moradores de rua, maior número entre os Estados americanos. Segundo especialistas, o uso de estimulantes, principalmente metanfetamina, é um problema grave entre essa parcela da população.

De acordo com o Departamento de Serviços de Saúde da Califórnia (DHCS, na sigla em inglês), 65% das mortes por overdose de drogas no Estado em 2021 envolveram estimulantes, um salto em relação aos 22% registrados dez anos antes.

“É muito grave. É uma emergência real. Estamos vendo (o número de mortos) dobrar, triplicar”, afirma Shapiro. “Na verdade, estamos falando de duas epidemias, acontecendo ao mesmo tempo e interligadas: a de fentanil e a de metanfetamina. E muitas pessoas estão usando ambas as substâncias.”

O médico ressalta que a metanfetamina tem um impacto devastador mesmo nos que sobrevivem. “Nós vemos sequelas terríveis, impactos no coração, pulmões, dentes, cérebro”, afirma.

“É trágico ser testemunha disso diariamente. Você vê pessoas relativamente jovens com problemas de saúde crônicos terríveis e que, mesmo quando eventualmente se recuperarem do transtorno por uso de metanfetaminas, enfrentarão isso pelo resto de suas vidas.”

Muitos usuários sofrem graves consequências de saúde mental. “Vemos pessoas com sintomas psicóticos que demoram muito para serem resolvidos ou nunca se resolvem totalmente”, observa Shapiro.

‘Estratégia apoiada por evidências científicas’

Como não há tratamento farmacológico, a dependência de estimulantes é considerada uma das mais difíceis de se combater. Segundo o CDC, nesses casos, “o manejo de contingência é a estratégia de tratamento mais amplamente apoiada por evidências científicas”.

O DHCS lembra que o manejo de contingência “demonstra resultados robustos, incluindo redução ou interrupção do uso de drogas e maior permanência em tratamento (do que em outras abordagens)”.

Esse tipo de intervenção está baseada nos princípios de reforço positivo. “Não é questão de pura equivalência econômica. As pessoas respondem a recompensas de maneiras específicas, e é disso que estamos fazendo uso. Isso tem a ver com o sistema de recompensa do nosso cérebro”, ressalta Shapiro.

De acordo com o DHCS, “receber incentivos, como um vale-presente, pode ajudar a ativar o sistema de recompensa do cérebro na ausência do uso de estimulantes. Com o tempo, a obtenção de incentivos pode ajudar a apoiar e reforçar a recuperação”.

Na definição do CDC, “embora possa assumir várias formas, o manejo de contingência consiste em fornecer recompensas significativas (muitas vezes financeiras) a indivíduos que recebem tratamento e que cumprem determinados objetivos: adesão ao tratamento, participação em reuniões e consultas ou exames de urina negativos para drogas”.

“Estratégias que combinam manejo de contingência com terapia cognitivo-comportamental ou uma abordagem de reforço comunitário produzem os melhores resultados em estudos clínicos”, salienta a agência.

A eficácia do manejo de contingência no tratamento de dependência de estimulantes é demonstrada em vários estudos reconhecidos pelo NIDA, entre eles uma meta-análise publicada em 2021 pela revista científica JAMA Psychiatry, editada pela Associação Médica Americana (AMA), segundo a qual 82% dos estudos clínicos randomizados sobre o tema relataram “aumentos significativos de abstinência”.

Além disso, desde 2011, o Departamento de Assuntos de Veteranos usa o manejo de contingência como principal tratamento para milhares de veteranos de guerra dependentes de estimulantes. O departamento já publicou diversos estudos demonstrando resultados positivos, entre eles uma análise na qual mais de 90% das amostras dos participantes foi negativa para a presença de estimulantes.

Shapiro lembra que estudos mostram a eficácia do manejo de contingência não apenas em relação ao abuso de metanfetamina e cocaína, mas também em várias outras situações, como ajudar pessoas a manter compromissos e consultas médicas ou tomar seus remédios regularmente.

“É uma intervenção muito robusta para todos os tipos de comportamento”, salienta.

No entanto, apesar desses sucessos, até recentemente uma lei federal “anti-propina” — que proíbe oferecer “remuneração para induzir ou recompensar” pacientes — impedia que o Medicaid incluísse entre seus benefícios tratamentos que usam manejo de contingência.

“Havia a preocupação de que seria considerado propina e uma violação da lei federal”, observa Shapiro. “Essa tem sido uma das principais barreiras para iniciar esse tipo de programa, embora tenhamos décadas de evidências que sugerem que é incrivelmente eficaz.”

Agora, porém, as regras foram mudadas para esclarecer que o manejo de contingência não se enquadra em “propina”, e os Estados poderão começar a implementar seus programas, com cobertura do Medicaid.

A Califórnia foi o primeiro Estado do país a receber aprovação federal para implementar um projeto-piloto e avaliar sua eficácia, mas os demais logo poderão fazer o mesmo.

Funcionamento e limitações

O custo do projeto-piloto na Califórnia é calculado em cerca de 50 milhões de dólares (cerca de R$ 250 milhões), que incluem contratação e treinamento de pessoal, material para os testes e vários outros gastos. A maior parte desse montante será paga com financiamento federal.

Para participar, os usuários devem ser beneficiários do Medicaid no Estado (Medi-Cal) e passar por uma avaliação para ver se se enquadram nos critérios médicos para o tratamento. Pessoas de todas as idades podem participar, mas menores de 12 anos precisam de consentimento dos pais.

O DHCS destaca que os vales-presente não poderão ser usados para comprar álcool, cigarros, maconha ou bilhetes de loteria. Além dos incentivos financeiros, os participantes receberão serviços complementares, como aconselhamento individual e em grupo e apoio de pares, “para apoiar seus caminhos de recuperação”.

Shapiro ressalta que, entre os pontos avaliados, estarão quantos participantes serão capazes de enviar um ou mais testes negativos para drogas, quanto tempo vai levar até que consigam isso, e se conseguirão continuar (sem usar drogas) durante os seis meses do programa.

Outro ponto importante é se aqueles que fracassarem no início e tiverem testes com resultado positivo seguirão no projeto e continuarão tentando. “Se permanecerem, a intervenção terá mais tempo para funcionar, e maior será a chance de eventualmente reduzirem seu consumo e apresentarem um teste negativo”, afirma o médico.

Após o fim do projeto-piloto, Shapiro espera que o Medicaid inclua o manejo de contingência como um dos benefícios cobertos de forma permanente.

Mas, apesar de ser considerado a melhor estratégia para combater o abuso de estimulantes, essa abordagem também tem limitações. Os efeitos positivos não duram para sempre em todos os pacientes, e alguns terão recaídas após deixarem de receber incentivos financeiros.

Há médicos que defendem seu uso por tempo indefinido para determinados pacientes, da mesma maneira que algumas pessoas recebem tratamento contínuo com um medicamento farmacêutico.

Shapiro ressalta que é importante continuar acompanhando esses pacientes e oferecendo aconselhamento e outros serviços. “Quando você chega ao final de uma intervenção como essa, é importante que não seja a última interação com a pessoa”, diz o médico. “Temos um relacionamento de longo prazo com os pacientes.”

Há ainda críticos que simplesmente rejeitam a ideia de pagar usuários de drogas para que fiquem sóbrios. “Não culpo as pessoas por terem esse tipo de sentimento. A dependência de drogas tende a ser bastante estigmatizada e muitas vezes incompreendida”, diz Shapiro.

“Acredito que algumas pessoas simplesmente não dariam nem um centavo para (ajudar) alguém que usa drogas. Não pagariam para comprar um remédio ou por outro tipo de tratamento. E, para essas pessoas, eu não tenho muito a dizer”, afirma.

Mas o médico ressalta que há outros que realmente estão dispostos a ajudar e aceitam que parte de seus impostos sejam usados para isso, mas simplesmente se sentem desconfortáveis com a ideia de pagar diretamente os usuários para que fiquem sóbrios.

“Para essas pessoas, o que eu costumo dizer é: ‘Que ótimo que vamos gastar parte do dinheiro dos seus impostos para ajudar (um usuário). Você não prefere que seja gasto em algo que realmente funciona?'”

BBC Brasil

Brasil investe menos de um terço do que países desenvolvidos em educação básica

Foto: PxHere

O governo brasileiro investe menos de um terço do que os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para cada aluno da educação básica pública desde meados dos anos 2010. No novo relatório Education at a Glance, divulgado nesta terça-feira, 12, o Brasil aparece mais uma vez entre as nações com valores mais baixos: são US$ 3.583 por aluno/ano, enquanto a média é de US$ 10.949.

Desde o ano 2000, o Brasil triplicou o valor investido por aluno no ensino infantil, fundamental e médio, mas ainda está distante de outros países. No mesmo período, a Coreia do Sul passou de cerca de US$ 3 mil para US$ 14 mil por aluno/ano; Portugal, de US$ 3,5 mil para US$ 10 mil; Austrália, de US$ 5 mil para US$ 12 mil.

No topo do ranking de investimento mais recente da OCDE, que considera dados de 2020, há ainda Luxemburgo, com US$ 26 mil por aluno/ano, e Suíça, com US$ 17 mil. E países tão grandes quanto o Brasil, como Estados Unidos, com US$ 15 mil. Abaixo do País, estão apenas México e África do Sul.

O Brasil tem cerca de 45 milhões de alunos nas escolas públicas, o que torna alto o investimento para se chegar ao valor de países da OCDE. Nos últimos anos, o País tem investido cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação básica, superior à média da OCDE, de 3,6%, mas não é suficiente. O dado brasileiro sobre o PIB não consta do relatório atual, mas aparecia nos anteriores.

Por outro lado, o investimento do Brasil em ensino superior não se distancia tanto dos países ricos. Como existem apenas 2 milhões de alunos nas universidades públicas, a inversão de prioridades é criticada há anos por educadores no País.

São US$ 14.735 investidos no Brasil por aluno, por ano, no ensino superior público. Enquanto, entre os países da OCDE, o valor é de US$ 14.839.

Levando em conta o valor total gasto com educação, os dados mais recentes mostram que o Brasil foi na contramão dos outros países. Mesmo em ritmo mais lento que o normal por causa da pandemia, a despesa com educação cresceu, em média, 2,1% de 2019 a 2020 entre os países da OCDE. Já no Brasil, houve queda 10,5%.

Especialistas argumentam que o investimento em universidades – pela estrutura, salário de professores, foco em pesquisa – é realmente alto, mas é preciso colocar mais recursos também na educação básica.

Os modelos internacionais e nacionais mostram que mais recursos na educação básica devem ir para um grupo de políticas que conjuntamente trazem resultados, como escola em tempo integral, alfabetização, formação de professores, primeira infância e educação profissional e tecnológica. Países com destaque em avaliações internacionais, como Finlândia, Holanda, Canadá e Dinamarca, investem acima da média da OCDE por aluno da educação básica.

Em julho, o governo federal sancionou um projeto de lei de autoria do próprio Executivo para injetar R$ 4 bilhões na educação básica a fim de ampliar o número de matrículas na educação integral. A meta do governo é alcançar um total de 3,2 milhões de novos estudantes em tempo integral até 2026.

Em 2021, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional que tornou o Fundeb, principal fundo de financiamento da educação básica, permanente. A medida determinou ainda aumento no montante de recursos repassados pela União a Estados e municípios para custear a etapa. Pela nova regra, ao longo de seis anos, a complementação feita pela União deve passar de 10% para 23%, o que representa acréscimo de R$ 77 bilhões ao fim desse ciclo.

Neste ano, o Fundeb ficou na berlinda após ser incluído pela Câmara no limite de gastos fixados pelo novo marco fiscal. Após mobilização no setor educacional, o Senado modificou o texto aprovado na Câmara e retirou o Fundeb das restrições impostas pelo arcabouço.

Em agosto, a Câmara concluiu a votação do tema e manteve a decisão do Senado, preservando o fundo. As regras do arcabouço pretendem manter as despesas do governo abaixo das receitas.

Para especialistas, porém, é importante melhorar a eficiência dos gastos do governo, com mais planejamento e monitoramento de políticas públicas. As próprias autoridades reconhecem que é possível melhorar o uso da verba com os recursos já disponíveis.

Izolda Cela, secretária executiva do Ministério da Educação (MEC), defendeu deixar o Fundeb fora do arcabouço fiscal durante o evento Reconstrução da Educação do Estadão, em maio. Mas ela alertou sobre a necessidade de melhorar o uso dos recursos. “Com o que se tem (de dinheiro), dá para fazer mais”, disse.

‘Há uma urgência de investimentos’

“É a confirmação de um cenário desafiador histórico da educação brasileira, com baixo nível de investimento por aluno, o que é incongruente com as nossas necessidades de desenvolvimento educacional e de desenvolimento socioeconômico”, diz o coordenador de Inovação e Políticas do Instituto Unibanco, Caio Callegari, sobre o relatório da OCDE.

Segundo ele, há um “abismo” entre o Brasil e outros países, ainda com redução de investimentos na pandemia, como mostrou o documento. “Isso nos traz um passivo ainda a cumprir. Há uma urgência de investimentos em recomposição das aprendizagens e na formação dos profissionais na educação”, completa.

“Precisamos de mais recursos e da discussão sobre a qualidade e efetividade do gasto em educação”, diz o consultor em educação e pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais da FGV, Alexandre Schneider. Para ele, o País dá sinais de que seguirá o caminho inverso, flexibilizando os investimentos obrigatórios na área. “Um sinal muito ruim, em especial para um País que não conseguiu garantir o direito à educação de qualidade para todos”, completa.

O governo de São Paulo, da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), também tem proposta de para flexibilizar parte dos gastos hoje alocados na educação do Estado, baixando de 30% para 25% o piso do orçamento estadual investido em educação. Segundo o governo, o novo modelo não tiraria dinheiro das escolas porque os aposentados saíram da gastos da educação.

Entre os defensores da flexibilização dos patamares mínimos de gasto em educação, o argumento é de que o modelo deixa o orçamento engessado e pouco eficiente. No caso específico da educação, outra justificativa é de que a transição demográfica leva a uma redução do número de crianças e adolescentes, o que reduz a demanda de verba na área.

Grande parte dos educadores, porém, aponta que a redução da faixa jovem da população abre espaço para melhorar a qualidade das escolas, com melhor formação docente e menos alunos por sala. Já há pedidos na Justiça, por exemplo, para que pisos salariais de profissionais de educação não sejam cumpridos este ano – o salário mínimo da categoria é corrigido anualmente conforme lei federal.

Estadão